A Biblioteca do Rei Afonso Henriques

terça-feira, 5 de maio de 2020

Leituras partilhadas por professores e alunos — recensão crítica

      Colocamos três recensões críticas muito interessantes sobre o conto "Felicidade Clandestina" , da escritora brasileira Clarice Lispector, elaborados respetivamente, pela Prof.ª Natividade Oliveira e pelos alunos  João Pedro Araújo, do 9.º B,  e Bárbara Sousa do 9.º A, coordenados pela Prof.ª Irene Salgado.

       “Felicidade Clandestina” 
 O conto escolhido para assinalar o “DIA INTERNACIONAL DA LÍNGUA PORTUGUESA”, com os meus alunos de 9. º Ano. Depois de terem visualizado um vídeo focando os nove países em que esta língua é falada, foram convidados a ler este conto, da autora brasileira Clarice Lispector, tomando contacto com as principais diferenças entre o português europeu e esta variedade de português.

APRECIAÇÃO CRÍTICA DO CONTO “FELICIDADE CLANDESTINA”, DE CLARICE LISPECTOR, pela Prof.ª Natividade Oliveira
Felicidade Clandestina - ePub - Clarice Lispector - Achat ebook | fnacO conto “Felicidade clandestina” de Clarice Lispector é uma agradável narrativa sobre o prazer de ler, cultivado por uma menina que se revela uma apaixonada leitora, pela forma como persegue esperançosa e sofridamente o seu sonho de ler As reinações de Narizinho.
 A atitude da protagonista deixa uma lição de persistência
e de humildade (“Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia…”) que contrasta com a arrogância e sadismo da dona do livro que promete emprestá-lo, aproveitando-se do desejo da colega para exercer a sua vingança pessoal, pelo facto de ser diferente, sobretudo fisicamente (“enquanto o fel não escorresse todo do seu corpo grosso.”).
 A  determinação e alegria da criança  que procura ansiosamente ler um livro desencadeia a reflexão sobre a importância da leitura, a satisfação e o mundo de sonho a que a mesma pode transportar, presentes nas metáforas usadas pela narradora – “comendo-o, dormindo-o” – elucidativas do seu afinco pela leitura, aliás, pouco frequente nos jovens de hoje para quem a atividade é desenvolvida, na maior parte dos casos, quando tem carácter obrigatório, o que é de lamentar, pois considero que ler é uma viagem de lazer, uma inesgotável fonte de conhecimento e de emoções.
 Há livros que nos marcam para sempre. No meu caso, que vivia numa pacata cidade alentejana (Estremoz) e, que pouco ou nada conhecia da vida no Ribatejo, mas vivenciava o pós 25 de abril e toda a reforma agrária, no local em que residia,  Os Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, devorado ainda em tenra idade, apresentou-me uma classe injusta e sofredora e ainda hoje, recordo as imagens que eu construí daqueles rapazes pobres e o susto que foi supor que essa realidade existia.
 Por outro lado, o desejo da narradora de Felicidade Clandestina surge como clandestino, pois ela não tinha acesso a livros e o longo protelamento do seu empréstimo pela dona (visível em marcadores temporais como “Até ao dia seguinte” – l. 23, “No dia seguinte” – l. 25, “No dia seguinte” – l. 35) enfatiza a ideia de inatingível que aguça mais o desejo, como reza o provérbio “O fruto proibido é o mais apetecido”.
Além disso, é inevitável a reflexão sobre a vileza de uma criança capaz de infligir a outra “uma tortura chinesa” que é aceite para cumprir um sonho. Esta submissão da narradora parece-me excessiva por tocar a humilhação, pois considero que nada justifica a ofensa à dignidade.
 A profundidade das  reflexões  que o conto desencadeia decorrem também da linguagem que a autora utiliza que, apesar de ser simples, é cheia de emoção visível, por exemplo, no uso de advérbios como “imperdoavelmente” – l. 13, “danadamente”- l. 44 ou  de palavras fletidas em grau (“livrinho” – l. 7; “bordadíssimas” – l. 9; “bonitinhas” – l.13;), repletas de afetividade.
Efetivamente, este conto proporciona um momento de meditação sobre comportamentos humanos e sobre as emoções que conduzem a vida das pessoas, desde a infância, aqui evidenciados através de uma criança para quem a leitura é suficiente fonte de felicidade e de outra que se compraz com o sofrimento alheio.

Prof.ª Natividade Oliveira



              Recensão crítica sobre o conto “Felicidade clandestina”

Felicidade Clandestina é um conto brasileiro escrito por Clarice Lispecto. A história fala sobre uma menina, filha de um livreiro, que tinha boas condições de vida, porém, era uma moça gorda e baixa, com um busto avantajado e invejava, por isso, o físico das suas colegas, bonitas e esguias. Devido a isso, acaba por torturar psicologicamente uma delas, a narradora, que todos os dias ia a casa dessa menina para pedir um livro que ansiava muito ler e que a mesma se recusava a empresta-lo, iludindo-a com mentiras.
O conto agradou-me bastante e creio que tem uma boa moral. A escrita é fluída, mas é preciso estar atento ao vocabulário. Estamos perante um conto brasileiro que recorre a um vocabulário diferenciado da nossa leitura quotidiana, exemplo disso são certas expressões no texto como “… era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o” ou palavras com significados diferentes como “balas”, que em português são rebuçados ou ainda o “sobrado”, o andar superior de uma casa de dois pisos.
               Embora neste texto as personagens sejam crianças, acredito que está presente uma mensagem bastante profunda acerca das relações que vamos tendo ao longo da vida com os outros, perceber quem são os nossos colegas e os nossos verdadeiros amigos. Conseguimos compreender também que devemos ser persistentes e ir atrás daquilo que desejamos. Apesar de todas as nossas ações terem consequências, devemos sempre fazer aquilo que é correto e nos traz alegria sem magoar os outros, pois a felicidade da menina por não ter dado o livro à narradora foi apenas temporária, ao contrário do olhar de reprovação e desilusão da mãe por descobrir os seus atos maldosos que, na minha opinião, ficar-lhe-ia muito tempo a pesar na consciência.
               Juntando ainda a estes fatores, agradou-me muito ter conseguido passar-se uma moral tão bonita de uma ponta à outra do mundo, através da língua portuguesa, algo que toda a nação lusófona tem muito orgulho. É algo que nos une, milhões de pessoas espalhadas pelo mundo falam esta língua maravilhosa, com elas vamos aprendendo mais sobre as suas culturas e o seu quotidiano, tal como neste conto aprendemos mais um pouco sobre o Brasil.
               Concluindo, eu apreciei bastante o conto “Felicidade Clandestina” por nos mostrar um pouco as condições de vida no Brasil, ter uma moral tão bonita e um desfecho tão interessante. Creio que todos podem aprender algo novo com este texto e aconselho a lerem-no.

João Pedro Soares Araújo, 9.º B


     Este conto, "Felicidade clandestina”, agradou-me, pois demonstra-nos uma lição de moral, isto é, não devemos fazer sofrer os outros. No fim, a menina humilde conseguiu ler o livro que tanto queria e a menina má acabou sendo castigada pelo seu ato, que, simplesmente, foi um ato de crueldade.


Bárbara Sousa, 9.º A


            Apreciação crítica do texto” Felicidade clandestina”

Na minha opinião, o conto “Felicidade clandestina” é muito interessante.
Neste conto, a narradora conta-nos o seu gosto pela leitura e a dificuldade que tinha, talvez por motivos financeiros e uma vida simples, em conseguir ter um livro.
Toda a história se baseia na tentativa de obter emprestado o livro As reinações de Narizinho de Monteiro Lobato, que muito queria ler, de uma colega com mais posses, e cujo pai tinha uma livraria. Ao longo da obra, a colega, que era gorda, baixa e sardenta, mostrou-se maldosa e invejosa por não ter um corpo desejado.
Este conto mostra-nos até onde pode chegar o rancor de uma pessoa. Todos os dias, inventava uma desculpa para não emprestar o livro à narradora, fazendo-a padecer. Gostava de a fazer sofrer, tal como sofria com as suas inseguranças, isso fazia da narradora uma vítima inocente.
No final, a mãe da colega, apercebe-se da filha maléfica que tem e tenta resolver a situação. Obriga a filha a emprestar o livro e ainda permite que a narradora fique com ele o tempo que quiser.
O que mais me espanta neste conto é ficar a conhecer como é que existem pessoas que ganham gosto a ver outras sofrer. A pobre narradora vivia sempre o drama do dia seguinte, e, no fundo, eu reconheço a sua felicidade quando, finalmente, segurou no livro e o comprimiu contra o peito. Ela conquistou-o, sofreu para o ter, e, agora, queria lê-lo, vivê-lo intensamente, mas, devagar.
O que faz com que este conto seja ainda mais interessante é o facto de ser em português. Provavelmente se fosse em inglês ou em espanhol não seria a mesma coisa, porque há palavras que têm mais força numa língua do que noutra. Há um certo peso que as palavras têm, e isso reflete-se nesta mesma história, é como se estivesse na pele da narradora e sentisse a mesma ansiedade, uma ansiedade constante de ter o livro nas minhas próprias mãos e a felicidade de quando passamos o dedo entre as páginas. A autora, Clarice Lispector, soube jogar bem com as palavras e conseguiu mostrar o poder das mesmas.
Concluindo, considero que todos nós deveríamos ler este excerto e orgulharmo-nos dele.A Língua Portuguesa é a “Pátria” ou a “Mátria” do Mundo Lusófono. Atravessa uma longa e vasta área do globo. Como dizia José Saramago: “Não há uma língua portuguesa, há línguas em português”, e faz sentido esta ideia. Serão 270 milhões de falantes da nossa língua. Tenhamos orgulho nela e não permitamos acordos que lhe tirem a sua essência.



  Matilde Ribeiro 9.º B