A Biblioteca do Rei Afonso Henriques

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Uma História ─ “Bicas…o pulgão, que queria ser mágico”

            


“Bicas…o pulgão, que queria ser mágico”

 

Tudo se passou num tempo distante, engraçado, divertido, mas sobretudo…mágico.

Nada parecia o que era e o que era não parecia nada do que se observava.

Mas, mesmo assim, havia um odor, um cheiro a poções, perfumes...comida e muita alegria.

Bem…muita, muita alegria nem por isso…pelo menos para o….Bicas.

Bicas era um pulgão de roseira branca que, apesar do seu minúsculo tamanho, tinha grandes expetativas, ideias e sonhos.

Como só gostava de rosas brancas, a sua cor…bem cor não tinha, pois era…transparente.

A sua “casa”, a roseira onde habitava, encontrava-se num jardim, se bem que um jardim invulgar. Nele havia heras a sair de nuvens, pássaros que nadavam entre as folhas das árvores, peixes saltitantes como rãs e rãs que voavam como rápidos pardais.

Claro que, o Bicas, a tudo isto estava habituado, e nada estranhava, não fosse o jardim pertença da maior sumidade em magia, doutorado, com várias apresentações internacionais de grande gabarito.

Evidentemente que tinha as suas manias e uma delas era…ninguém podia pronunciar o seu nome.

─ Eu não vou pronunciar o nome deles, xiça! Sou tão pequeno que não tenho fôlego para dizer aquele enormeeee nome ─ disse o Bicas.

Bom….apesar de ser pequeno, minúsculo, o seu sonho, o sonho da sua vida era tornar-se no “maior” pulgão mágico da zona, aliás de todo o mundo, aliás do Universo.

- Pulgão tótó, desvairado da moina…─ diziam os outros pulgões. Ele é como nós um ponto minúsculo neste jardim e ainda por cima transparente. Ninguém o vê…e riam a bandas despregadas.

Bicas sentia-se magoado, triste, confuso. Ele nunca teria aquela atitude, ele nunca ofenderia daquela maneira. Mas, mesmo assim, respondeu:

─ Ahahaha…vozes de burro não chegam ao céu, o tamanho não interessa. O que interessa é realizar o sonho.

O ser minúsculo tinha as suas vantagens, pois “espiar” o mágico e memorizar o que ele fazia sem ele o topar, era facílimo.

─ Só tenho de estar de olho em certas espécies que habitam na sala especial do mágico. – pensou de si para si o Bicas.

De facto, ele só tinha de ter cuidado com o Óscar, a osga, Arana, a Aranha, Laga, a lagartixa, e Corneta, o corvo assim chamado, pois passava a vida a grasnar como fazem os patos, mas era a sua voz.

─ Hum…eu penso que ele se achava um pato. – riu baixinho  Bicas.

De repente…

─ Está calada, Arana, nem uma teia já sabes fazer em condições, pára osga desajeitada pareces uma barata tonta. – grasnou Corneta.

─ Alto lá, qual barata tonta, qual carapuça. Tu é que és um tonto! ─ disseram as baratas, zangadas, que tinham acabado de sair de dentro de um livro intitulado O corvo tonto e a barata.

Com medo de que as baratas lhe fossem baralhar as penas, pois com antenas ameaçadoras estavam elas…calou-se e adormeceu.

─ Esta gente além de perigosa é doida. ─ pensou Bicas…mas não falou alto, pois ainda o comiam.

─Tenho de passar por eles até à sala secreta do mágico. Lá está o que procuro com toda a certeza.

Se assim começou a pensar, assim começou a desenhar as ideias num pedaço de papel que encontrou. Teria de atravessar aquele largo corredor sem perturbar os…bicharocos.

Passado algum tempo…

─ Isto tem de dar certo.

E, cheio de confiança, determinação e coragem pulgónicas…começou a travessia.

Sempre rentinho à parede e com “pezinhos de lã”, isto é uma maneira de falar que ele não era cordeirinho e não tinha lã, quer dizer andar de mansinho sem fazer barulho, iniciou a travessia.

A sorte ajudou o Bicas.

O corvo tinha adormecido, a aranha estava lá no alto, no canto, e como estava meia pitosga não o via, a osga discutia com a lagartixa e o Bicas…deu às patas que é uma pressinha e chegou à porta da sala.

─ Xiii…agora é que são elas. – tremeu o Bicas ao olhar aqueeela enorrrme…porta.

Todas as suas patas tremeram até parecia que tinha mudado de cor, como se o transparente mudasse de cor. Deixa é passar as cores todas que se veem de um lado para o outro.

De repente lembrou-se:

─ Espera, eu sou pequeno, a porta não toca no chão, então…passo por baixo.

Assim pensou…assim fez.

─ Uauuuu!!!. Isto é ex-tra-or-di-nário.

Bicas, de boca aberta, paralisou durante um momento perante tal…ENORMIDADE.

Ele era estantes cheias de livros, caldeirões, pote, potinhos cheios de misturas, mistelas e poções.

─ Ena pá, será que tenho de arranjar uma sala assim? Eu vivo numa roseira.

Ora, pensaria mais tarde no assunto, agora hora de procurar.

─ Irra vou procurar o quê? De que preciso? O que escolher? O que estudar?

─ Queres uma ajudinha? - disse uma voz rouca.

─ Aiii, que susto. Quem falou? Quem está aí?

─ Sou eu, a abóbora.

─ Onde? Onde?

─ Segue o cheiro. – disse a abóbora.

Bicas seguiu o cheiro e olhando para cima viu uma ENORME parede cor de laranja.

─ Olá, que andas por aqui a fazer? Não sabes que é proibido? ─ falou a abóbora.

─ QUE SUSTO, uma parede falante. – disse o Bicas.

─ Eu não sou uma parede, já te disse que sou uma abóbora.

─ Está acredito, desculpa mas, nunca tinha visto uma abóbora.

─ E tu, afinal, és o quê, nunca vi uma coisa como tu. ─ disse a abóbora com olhar desconfiado.

Enchendo o corpo de ar e com olhar orgulhoso disse o Bicas:

─ Eu sou um pulgão de roseira branca que quer e vai ser um grande mágico. O meu nome é Bicas e não te esqueças.

Uma risada com som a palha veio do outro lado da sala.

─ Quem se atreve a rir de mim? Sou pequeno, transparente mas valente, corajoso e empenhado.

─ Se já se viu um pulgão a ser mágico. É preciso estudar muito. – disse a vassoura, arrastando-se até perto dele. Além disso és minúsculo e transparente.

─ Deixa-o em paz. ─ falou a abóbora mais velha e mais sábia. O livro que procuras está na prateleira de cima.

─ Pois… e como vou chegar lá? ─ pensou alto o Bicas.

─ Fácil! Eu dou uma ajuda! Gosto da tua coragem e força de vontade – falou a vassoura.

Zás…uma vassourada e lá foi ele.

─ Iupiiii…sou um pulgão voadorrr.

PUM.

─ Ai, au, ui. ─ gritou o Bicas. Irra que doeu!

Bicas tinha batido com as antenas contra a capa de um livro.

─ Eu consigo ler isto, o livro é do meu tamanho.

Imediatamente, Bicas começou a lê-lo e…

─ Isto é um livro de magia para pulgões. EUREKAAA.

Leu o livro de uma assentada, todas as poções, feitiços e magias, tudo memorizou.

Depois de bem dormir durante a noite e logo que o sol nasceu, foi para o seu jardim, para a sua roseira.

A partir daquele dia as suas roseiras brancas eram as mais belas, as mais brilhantes, as mais cheirosas de todo o jardim do mágico.

Todos os outros pulgões pediram desculpa por se terem rido dele e pediram-lhe ajuda para que as suas roseiras também ficassem como assim.

Quem ficou espantado com aquilo tudo foi o mágico que, penteando com as mãos a sua barba, pensou:

─ Eu não me lembro de ter realizado esta magia!!!

Assim, a partir daquele momento, o mágico tinha o mais belo jardim do universo graças ao esforço de um pulgão transparente de roseira branca.

 

Lutevi

26/10/2021