Hoje, comemora-se, mundialmente, o Dia do Livro, data em que faleceram dois importantes escritores: Cervantes e Shakespeare.
Este cartaz (da autoria do atelier Silvadesigners) – que num intenso jogo de luzes e efeitos, capta a atenção – evidencia que os livros podem ter leituras variadas e múltiplos ecos, consoante os leitores a que chegam. As suas imagens estão distorcidas, o que nos dá vontade de o decifrar e, consequentemente, interesse em o ler.
Lê um livro! Ler é maravilhoso!
Boas leituras!
Se a chuva caía,
Lê em Ler mais algumas poesias sobre o livro e a importância da leitura para alguns Poetas.
1. Ler à lareira
Se estava a chover,
sentava-me a ler
junto da lareira.
Que bela maneira
de passar a tarde,
quando a lenha arde
e cá na memória
se guarda uma história
lida com prazer!
Se a chuva caía,
eu lia, eu lia…
Maria
Teresa Maia Gonzalez
in A casa com o sol lá dentro
2. Os
livros
Apetece chamar-lhes irmãos,
tê-los ao colo,
afagá-los com as mãos,
abri-los de par em par,
ver o Pinóquio a rir
e o D. Quixote a sonhar,
e a Alice do outro lado
do espelho a inventar
um mundo de assombros
que dá gosto visitar.
Apetece chamar-lhes irmãos
e deixar brilhar os olhos
nas páginas das suas mãos.
José Jorge Letria
in
Pela casa fora
3. Ler
Ler sempre.
Ler muito.
Ler “quase tudo”.
Ler com os olhos, os ouvidos, com o tacto,
pelos poros e demais sentidos.
Ler com razão e sensibilidade.
Ler desejos, o tempo, o som do silêncio e do
vento.
Ler imagens, paisagens, viagens.
Ler verdades e mentiras.
Ler o fracasso, o sucesso, o ilegível, o
impensável, as entrelinhas.
Ler na escola, em casa, no campo, na estrada,
em qualquer lugar.
Ler a vida e a morte.
Saber ser leitor, tendo o direito de saber
ler.
Ler simplesmente ler.
Edith Chacon Theodoro
(poetisa
brasileira)
4. As
árvores e os livros
As
árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.
E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.
As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».
É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.
Jorge Sousa Braga
in Herbário
5.
Livro
Livro
um
amigo
para
falar comigo
um
navio
para
viajar
um
jardim
para
brincar
uma
escola
para
levar
debaixo
do braço.
Livro
um
abraço
para
além do tempo
e
do espaço.
Luísa Ducla Soares
in Poemas da mentira
e da verdade
1. Eu
sou o mundo e o mundo sou eu,
Eu sou o mundo e o mundo sou eu,
porque,
com o meu livro,
posso
ser tudo o que quiser.
Palavras
e imagens, verso e prosa
levam-me
a lugares a um tempo próximo e distante.
Na
terra dos sultões e do ouro,
há
mil histórias a descobrir.
Tapetes
voadores, lâmpadas mágicas,
génios,
vampiros e Sindbades
contam
os seus segredos a Xerazade.
Com
cada palavra de cada página
viajo
pelo tempo e pelo espaço
e,
nas asas da fantasia,
o
meu espírito atravessa terra e mar.
Quanto
mais leio mais compreendo
que
com o meu livro
estarei
sempre
na
melhor das companhias.
Hani D. El-Masri (tradução:
José António Gomes)
2. Os
livros
Os
livros. A sua cálida
Terna,
serena pele. Amorosa
Companhia.
Dispostos sempre
A partilhar o sol
Das
suas águas. Tão dóceis
Tão
calados, tão leais.
Tão
luminosos na sua branca e vegetal cerrada
Melancolia.
Amados
Como
nenhuns outros companheiros
Da
alma. Tão musicais
No
fluvial e transbordante
Ardor
de cada dia.
Eugénio de Andrade, in Antologia
Breve (1972)
3. O
livro
Toma
o teu livro
Cuidadosamente
Como
quem afaga um tesoiro.
Inclina-te
contente
E
abre o segredo de oiro
Das
laudas vigilantes:
Ardem
como um coração
Fixam
como um olhar
Abrem-se
como uns lábios
Que
segredam uma oração.
Toma
o teu livro
Que
te ensina a Vida
Com
um abraço de irmão.
Lúcio Craveiro da
Silva
4. Os
meus livros
Os meus livros (que não sabem que existo)
São
uma parte de mim, como este rosto
De
têmporas e olhos já cinzentos
Que
em vão vou procurando nos espelhos
E
que percorro com a minha mão côncava.
Não
sem alguma lógica amargura
Entendo
que as palavras essenciais,
As
que me exprimem, estarão nessas folhas
Que
não sabem quem sou, não nas que escrevo.
Mais
vale assim. As vozes desses mortos
Dir-me-ão
para sempre.
Jorge Luis Borges, in A
rosa profunda
5. Pó
Nas
estantes os livros ficam
(até
se dispersarem ou desfazerem)
enquanto
tudo
passa.
O pó acumula-se
e
depois de limpo
torna
a acumular-se
no
cimo das lombadas.
Quando
a cidade está suja
(obras,
carros, poeiras)
o
pó é mais negro e por vezes
espesso.
Os livros ficam,
valem
mais que tudo,
mas
apesar do amor
(amor
das coisas mudas
que
sussurram)
e
do cuidado doméstico
fica
sempre, em baixo,
do
lado oposto à lombada,
uma
pequena marca negra
do
pó nas páginas.
A
marca faz parte dos livros.
Estão
marcados. Nós também.
Pedro Mexia, in Menos por menos